sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Teoria da imprevisão somente pode ser aplicada quando o fato não está coberto pelos riscos do contrato

A aplicação da teoria da imprevisão ao contrato de compra e venda somente é possível se o fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao dar provimento a recurso especial da ADM do Brasil Ltda., contra vendedor de soja em Goiás.

O comerciante entrou na Justiça com ação pretendendo resolução [extinção] de contrato, com cumulação alternativa de revisão do pacto. Segundo informou, foi feito contrato com a ADM de adesão para venda de safra futura de soja, com preço previamente estipulado em agosto de 2003, no valor de R$ 30,54 por saca de grãos, a ser pago em maio de 2004.

Na ação, ele afirmou que, embora tenha sido verbalmente ajustada a data da entrega do produto para maio de 2004, a empresa alternou-a, unilateralmente, para março de 2004, o que seria inviável por conta das condições climáticas da região. A defesa sustentou que, apesar de o preço ser justo para ambas as partes à época da celebração do contrato, circunstâncias supervenientes imprevisíveis quebraram a base do negócio jurídico, com a consequente elevação do preço da saca do produto no mercado nacional e internacional.

Entre os fatos que teriam gerado desequilíbrio contratual, estão: quebra da safra dos Estados Unidos da América, número um no ranking mundial de produtores de soja, em cerca de 10 dez milhões de toneladas; a escassez de chuva no mês de dezembro de 2003 e o seu excesso entre janeiro e março do ano seguinte; infecção das plantas ainda no seu estado vegetativo pela doença denominada "ferrugem asiática".

“Tais circunstâncias, alheias à vontade do autor, não só elevaram o preço da soja no mercado interno e externo, mas também aumentaram o custo dos insumos para o plantio, ao mesmo tempo em que causou uma diminuição de quase 30% na produtividade”, afirmou a defesa. Tudo isso, teria tornado o pacto excessivamente oneroso para o autor, que requereu, então, a aplicação da cláusula rebus sic stantibus com o efeito de resolver ou revisar o contrato celebrado.

Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. O Tribunal de Justiça de Goiás, no entanto, deu provimento à apelação do autor, considerando que, nos contratos de execução diferida, quando houver acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que tornem excessivamente onerosa a prestação de uma das partes, com vantagem excessiva à outra, o acordo poderá ser rescindido. “Caracteriza-se ofensa ao princípio da boa-fé objetiva a imputação de riscos exclusivamente à parte vendedora, hipossuficiente (artigo 422 combinado com o artigo 478 da Lei 10.604/02)”, afirmou o desembargador.

A ADM recorreu ao STJ, alegando ser inaplicável ao caso a teoria da imprevisão, pois estaria vigente o pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos). Sustentou, ainda, que é inerente à espécie o risco futuro e incerto, sublinhando, ainda, a validade da Cédula de Produto Rural emitida por ocasião da celebração do contrato.

A Quarta Turma deu provimento ao recurso especial. “É inaplicável a contrato de compra futura de soja a teoria da imprevisão, porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado”, considerou o relator, ministro Luis Felipe Salomão.

Ao votar, o magistrado afastou também a alegação de que a existência de pragas e escassez de chuvas podem ser consideradas como imprevisíveis em contratos dessa natureza. “A ocorrência da praga chamada ‘ferrugem asiática’ a castigar lavoura de soja não constitui acontecimento imprevisível e excepcional a autorizar o chamamento da cláusula rebus sic stantibus”, acrescentou o ministro.

Ainda segundo o relator, a onerosidade excessiva alegada pelo autor também não foi verificada. “Muito pelo contrário, a venda antecipada da soja garante a aferição de lucros razoáveis, previamente identificáveis, tornando o contrato infenso a quedas abruptas no preço do produto”, ressaltou. “Em realidade, não se pode falar em onerosidade excessiva, tampouco em prejuízo para o vendedor, mas tão somente em percepção de um lucro aquém daquele que teria, caso a venda se aperfeiçoasse em momento futuro”, concluiu Luis Felipe Salomão.

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