quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Artigo 940 do Código Civil não é aplicável em relações de emprego

Em julgamento recente, a Seção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento de que o artigo 940 do novo Código Civil (artigo 1.531 do Código de 1916) não é aplicável subsidiariamente nas relações de emprego. Esse dispositivo prevê o pagamento de indenização em dobro quando a parte cobrar dívida já paga.

No caso analisado pelo ministro Lelio Bentes Corrêa, um metalúrgico requereu na Justiça do Trabalho o pagamento de gratificação de um terço de férias que já havia sido quitado pela Volkswagen do Brasil. A empresa, então, pediu a aplicação do artigo 940 do Código Civil à hipótese por considerar que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, desde que não incompatível com os princípios deste (artigo 8º, parágrafo único, da CLT).

Mas tanto o Tribunal do Trabalho paulista (2ª Região) quanto a Terceira Turma do TST rejeitaram o argumento da Volks. Para a Turma, como o Código de Processo Civil tem norma específica para punição da parte que litiga de má-fé (artigos 16, 17 e 18), não se deve utilizar o artigo 940 do Código Civil, porque a CLT (artigo 769) estabelece que, havendo omissões no processo do trabalho, deve aplicar-se subsidiariamente o processo civil.

O relator do recurso de embargos da Volks na SDI-1, ministro Lelio Bentes, seguiu na mesma linha. O relator destacou inclusive fundamentos de um voto de autoria do ministro Augusto César Leite de Carvalho, julgado na Sexta Turma do Tribunal, sobre essa matéria. A interpretação que prevaleceu no caso é de que o artigo 8º, parágrafo único, da CLT, de fato, permite o aproveitamento do direito comum como fonte subsidiária do Direito do Trabalho, se não houver incompatibilidade com os princípios deste.

No entanto, dois requisitos devem ser preenchidos: a inexistência de norma específica de Direito do Trabalho regulando a matéria (na hipótese, não há norma que trate de cobrança de dívida já paga) e a compatibilidade do direito comum com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho – nesse ponto, constatou-se que a norma do Código Civil era incompatível. O direito civil tem como pressuposto a igualdade formal entre as partes numa relação jurídica, já nas relações trabalhistas imperam as desigualdades sociais e econômicas entre empregados e empregadores – daí a intenção do Direito do Trabalho de oferecer proteção aos trabalhadores.

Assim, como a norma prevista no artigo 940 do Código Civil não tem a característica de proteger o empregado hipossuficiente, a condenação ao pagamento de indenização em valor equivalente a duas vezes a importância indevidamente exigida significaria a imposição de um encargo difícil de ser suportado pelo trabalhador, comprometendo, muitas vezes, a sua subsistência. Além do mais, essa norma retira do julgador a possibilidade de definir, de maneira razoável, o valor da indenização.

Durante o julgamento, o ministro Renato de Lacerda Paiva chegou a apresentar divergência ao voto do relator. Segundo o ministro, não se pode partir do princípio que todo empregado é hipossuficiente, e citou o exemplo de executivos de empresas. O ministro Aloysio Corrêa da Veiga também manifestou preocupação com a banalização da norma, porque uma condenação dependeria de prova de má-fé, de deslealdade da parte quanto à intenção de receber uma dívida já quitada.

O vice-presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, destacou que a norma do artigo 940 do Código Civil é destinada a partes litigantes em igualdade de condições – o que nem sempre acontece no Direito do Trabalho. Para reprimir eventuais abusos da parte, é recomendável a aplicação das normas do Código de Processo Civil, afirmou o vice-presidente. O ministro José Roberto Freire Pimenta ressaltou o rigor da punição dessa norma construída para o direito comum e defendeu também a utilização das regras do CPC. A ministra Maria Cristina Peduzzi lembrou que esses dispositivos já vêm sendo aplicados na Oitava Turma que ela preside.

Ao final, a SDI-1 concluiu que a punição em situações que haja litigância de má-fé, ou seja, atuação desonesta das partes no processo, encontra suporte jurídico no CPC (artigos 16, 17 e 18). O ministro Renato retirou a divergência, e o ministro Aloysio apresentou apenas ressalva de entendimento. A decisão foi unânime. (RR-187900-45.2002.5.02.0465)


(Lilian Fonseca)

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